VIVÓS BELGAS

BLITZ 17 Sep 1991Portuguese

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In BLITZ no359, September 17th, 1991 Prosseguem os Encontros Acarte’91, na Fundação Gulbenkian. Esta semana o público lisboeta reencontrou-se com Wim Vandekeybus e Anne Teresa de Keersmaeker e confrontou-se com Lucia Latour.

1. Wim Vandekeybus e Sempre as Mesmas Mentiras

Já tínhamos dado conta, em primeira mão, da apresentação do esboço desta coreografia durante o Spring Dance Festival que decorreu em Utrecht, na Holanda. Tivemos oportunidade então de dizer que Vandekeybus parecia enrodilhado na sua linguagem corporal habitual, onde as quedas, os voos acrobáticos e a velocidade ocupam lugar central. E que parecia estar à beira do fim da exploração dessa linguagem. Dissemos também, que algo de novo parecia estar a passar-se no aspecto criativo, pois dois momentos marcavam claramente uma ruptura com o que até então fizera: o tom melancólico de um filme super 8 de um velho num porto alemão e a dancinha que um dos bailarinos executava ao som de La Cucaracha assobiada.
No anfiteatro ao ar livre, pudemos ver, quatro meses mais tarde, que Vandekeybus, na obra final, não conseguiu harmonizar totalmente estas duas vertentes que, de certa forma, marcam um certo desequilíbrio no trabalho final. Se por um lado, nunca o humor foi tão bem explorado pelo coreógrafo, que o enquadra perfeitamente nos jogos de equilíbrio e força que gosta de fazer (vejam-se as cadeiras penduradas no ar, invertidas, onde se sentam os bailarinos, veja-se as cenas delirantes com os ovos que voam pelos ares), se o cenário se vai compondo a um ritmo harmonioso e coerente, de acordo com os absurdos das acções dos bailarinos, em resumo, se Vandekeybus conseguiu dar corpo a uma tensão dramática onde o ridículo é apenas a forma manifesta da solidão e obsessões de um velho (e que velho!), lá está presente também, principalmente no último quarto da peça, uma linguagem coreográfica um pouco estafada. Curiosamente, trata-se principalmente de momentos apresentados em Maio. O coreógrafo terá muito provavelmente descoberto a linha estrutural da obra mais tarde mas acabou por optar em encaixar no trabalho final o que já não seria de todo encaixável (nem sequer a música, que vai contra a linha sonora geral da obra até aí).
De resto, parece-me que a utilização dos filmes, o belíssimo cenário todo feito de roupas de mulher, a envolvência sonora e a excelência dos bailarinos criaram talvez a mais sensual de todas as coreografias de Vandekeybus, que será certamente um dos pontos altos destes Encontros.


2. Anihccam de Lucia Latour

A Companhia Altroteatro propunha-se trazer para o palco do Grande Auditório uma coreografia baseada na obra do pintor futurista Fortunato Depero. De facto, a obra do pintor esteve bem presente, em perfeita projecção animada por diaporama, onde se realçava os anúncios de Campari, imagem de marca do autor. Os meios técnicos eram impressionantes: som quadrifónico, palco totalmente articulado, massas de luz em rigorosíssima harmonia.
Os meios coreográficos paupérrimos. A coreógrafa optou pela movimentação em linhas paralelas, o que até nem tem nada de mal (será com certeza na intenção se seguir as ordens do Pap Marinetti, que abominava as curvas). Só que ao longo da hora e meia de coreografia, os bailarinos outra coisa não fazem do que abanar-me em pose de filme mudo palerminha, ou melhor, abanar-se em pose de quem pensa que está a fazer a pose que existia nas comédias do cinema mudo. Percebem a diferença? O resultado é igual às coreografias do Um, Dois Três em homenagem aos anos vinte. Ou seja, superficial e baseada em falsos estereótipos.
É uma obra menor e de gosto muito duvidoso, com uma música irritantíssima e cujo contexto apropriado de exibição seria talvez um qualquer programa de variedades da RAI e não o palco do Grande Auditório nos Encontros Acarte (será que agora a dança contemporânea passa a ser tudo aquilo que se faz hoje em dia, de Teresa de Keersmaeker a grupos de aeróbica? Qualquer dia temos o Kirov...).


3. Achterland de Anne Teresa de Keersmaeker


De Anne Teresa de Keersmaeker e da sua peça Achterlandjá falámos aquando da sua exibição no SpringDance Festival. Trata-se da última obra da coreógrafa e apesar de me agradar mais a sua “contraparte” Stella com a qual constitui um díptico, é mais um exemplo do virtuosismo de composição plástica, coreográfica, poética e musical da coreógrafa belga. Vão aos recortes se quiserem saber mais.